Qualquer pessoa é um contador de histórias em potência, defende Eileen Colwell no seu livro «Storytelling», publicado pela primeira vez em 1980, no Reino Unido.
A autora, nascida em Yorkshire em 1904, foi bibliotecária, contadora de histórias, escritora de livros para crianças e fundadora do movimento das bibliotecas infantis em Inglaterra. Foi a primeira a criar no seu país uma biblioteca pública para crianças e a implementar a prática da «hora do conto», envolvendo as próprias crianças nas tarefas da biblioteca. Escreveu livros como “Princess Splendour”, “The Magic Umbrella” e outros, com contos redigidos especialmente para serem contados oralmente. Durante toda a sua vida profissional, defendeu o princípio de que «só o melhor é suficientemente bom para as crianças». Faleceu a 17 de Setembro de 2002, com 98 anos. Da sua longa experiência como contadora de histórias, que exerceu em muitos sítios do mundo onde se fala inglês, sintetizou os ensinamentos explanados nesta obra.
O livro está dividido em dez capítulos, antecedidos por um prefácio, a que se junta uma extensa lista de recursos bibliográficos para o contador de histórias – no final de cada um dos capítulos e no final da obra.
No primeiro capítulo, intitulado «Storytelling Then and Now» (Contar histórias antes e agora), Eileen Colwell introduz o assunto e sumaria a evolução da tradição oral, que situa em todas as culturas e civilizações e cujo declínio defende ter decorrido, primeiro, da invenção da Imprensa e, depois, da evolução tecnológica, social e cultural promovida pela Revolução Industrial. A tomada de consciência dos Românticos, que se apressaram a recolher os espécimes da chamada «literatura de tradição oral», que constituem hoje uma reserva preciosa para o contador de histórias, vem na sequência desse declínio.
As dificuldades e vicissitudes do contador de histórias são apresentadas no capítulo seguinte, «The Storyteller» (O contador de histórias). A autora começa por distinguir duas linhas de intervenção: o conto de uma história através da leitura, com o apoio directo de um livro, e a história contada, assente na memória e na imaginação. E aqui se declara partidária da segunda modalidade, por permitir maior liberdade de movimentos, maior entrega e maior empatia com a audiência. Afirma peremptoriamente que cada um de nós pode ser um contador de histórias, desde que ultrapasse a sua timidez e aprenda a desenvolver as suas competências comunicacionais. Desmistifica a ideia do contador de histórias como um especialista de rara habilidade e, embora reconheça que há pessoas naturalmente mais talentosas para contar histórias, considera que, com o estudo, a orientação e o empenho adequados, qualquer um poderá ser um contador de histórias muito eficaz.
Em «What Shall I Tell? Stories for Preschool Children» (O que contar? Histórias para as crianças da pré-escola) são apresentadas as características básicas das histórias para as crianças em idade pré-escolar, que devem assentar num discurso coloquial que favoreça a relação entre o contador e a audiência, devem ter um mínimo de descrição e o máximo de acção. O esquema de programa que propõe para uma sessão de contos, que não ultrapassará meia hora, começa com um livro de imagens, com poucas palavras; seguir-se-á então uma série de jogos de rimas e (des)trava-línguas, depois uma história sem imagens e finalmente uma rima final.
Também as crianças dos cinco aos doze anos são contempladas, num capítulo intitulado «What Shall I Tell? Stories for Five-to-twelve-year-old» (O que contar? Histórias para crianças dos cinco aos doze anos). Esta faixa etária é subdividida em duas, já que, embora ambos os grupos gostem do mesmo tipo de histórias (contos tradicionais e de fantasia, histórias de heróis, de aventuras, de animais e histórias cómicas), o nível de concentração é diferente. A solução poderá passar por contar ao primeiro grupo, de forma mais simples, uma história que será igualmente apreciada pelo segundo grupo.
Na faixa dos cinco aos sete anos, a autora propõe ainda uma espécie de cerimónia de abertura da sessão de contos, que durará também cerca de meia hora – por exemplo, o acender de uma vela, que a criança mais nova apagará no final. As histórias apresentadas poderão ser intercaladas com poemas para crianças.
Na faixa dos oito aos doze, a cerimónia de abertura será desnecessária, mas a autora sugere que, nas sessões regulares, se dê as boas-vindas aos recém-chegados. A duração da sessão pode ir até aos 45 minutos e se os temas mitológicos começam a ser oportunos, os contos de fadas continuam ainda a ser pertinentes. Sugere-se também que os momentos entre as histórias sejam preenchidos com poemas para este nível etário.
Mas como se podem recuperar as histórias fixadas no papel, originais ou da tradição oral, e (re)adaptá-las à especificidade da comunicação oral? Sobretudo as histórias demasiado longas e redigidas num estilo demasiado literário? É disso que trata o capítulo seguinte, intitulado «Adapting the Story for Telling» (Adaptando a história para ser contada). Uma das medidas que se podem tomar será a excisão dos desenvolvimentos secundários da acção; também as partes demasiado descritivas deverão ser abreviadas; por vezes, um rearranjo da sequência dos acontecimentos ou até a adição de um novo acontecimento podem ser justificados, em prol da clareza da narração. No entanto, as frases repetitivas devem ser mantidas, porque convidam as crianças à participação. O final deve ser sempre breve, já que assim que se atinge o clímax as crianças tendem a perder o interesse.
A memorização das histórias é outro dos obstáculos que o contador de histórias encontra pela frente. Mas, como todos os obstáculos, também este pode ser contornado. É isso que Eileen Colwell explica, em «Remembering the Story». Há uma sequência de tarefas que dão ao contador a capacidade de manter das histórias aquilo que nelas é essencial, dando espaço para a sua própria imaginação e criatividade: ler a história várias vezes, concentrando-se na sua construção, no clima, no clímax e no final; fazer um resumo livre da história; compará-lo com o original e verificar o que se perdeu; estudar a história com maior pormenor; anotar as frases repetitivas que devem ser retidas. Quando a história começa a tomar forma na cabeça do contador, este deve tentar visualizá-la como uma série de imagens coloridas. Depois, desenvolver as personagens como se fossem pessoas reais… E sucessivamente, são várias as sugestões que se apresentam com vista a facilitar a tarefa de memorização das histórias.
Nem todos tiveram a oportunidade de aperfeiçoar as suas competências ao nível da oralidade. Os actores são um exemplo de como a formação específica nesse domínio pode potenciar essas capacidades. Mas a maioria das pessoas não tem – quando tem – mais do uma vaga ideia sobre essas técnicas. Em «Improving Your Voice and Speech» (Melhorando a voz e o discurso), a autora reconhece ter pouca bagagem teórica sobre o assunto e recomenda o apoio de um especialista (ao que sabemos, fácil de encontrar em Inglaterra). Mas não deixa de dar algumas sugestões, grande parte delas decorrentes da sua própria experiência.
Preparadas as histórias em função de quem as vai ouvir, estruturado o alinhamento da sessão, é chegado o momento de enfrentar a audiência. Em «Facing the Audience», são descritas as naturais dificuldades que se apresentam a quem tem de se expor em público. Por muita experiência que tenha um comunicador, essa é uma contingência sempre presente. Mas também para isso há «truques», isto é, um conjunto de acções e atitudes que ajudam a devolver a serenidade ao contador e a estabelecer a empatia com a audiência.
Para algumas situações especiais, deverá haver soluções especiais. Em «Special Situations», Eileen Colwell destaca, por exemplo, o caso dos cegos, dos surdos e dos diminuídos mentais. Será que é possível captar-lhes o interesse durante o contar de uma história? Não só é possível como desejável, defende a autora. E aproveita a sua experiência para ilustrar várias situações possíveis.
No último capítulo, intitulado «Storytelling Here and There» (Contar histórias aqui e ali), Eileen Colwell divaga um pouco sobre outras questões relacionadas com este assunto. Serão as crianças boas contadoras de histórias? Qual o papel dos fantoches como recurso para contar histórias? E a televisão? O que podemos esperar dela? Perguntas a que a autora responde, mais uma vez, com a sua própria experiência.
Pouco volumoso, «Storytelling» é um livro pleno de ensinamentos, sugestões e recursos para o candidato a contador de histórias. Escrito num estilo directo e despretensioso, cativa de imediato quem o lê, pela sua visão pragmática desta arte onde a entrega pessoal é uma condição incontornável.
Num momento em que o interesse por esta actividade está a aumentar, e em que a informação técnica disponível é praticamente inexistente, seria crucial a edição desta obra em língua portuguesa, com as necessárias adaptações e actualizações quanto às inestimáveis referências bibliográficas. Ficamos à espera que alguma editora portuguesa se interesse por ela!
Carlos Alberto Silva
2005