O Desenho Impaciente, ou o livro em gestação…


Cristina Nobre, professora do Ensino Superior
Jornal de Leiria – 2 FEV 2020

Com o pseudónimo Manuel Brito e o título O desenho impaciente, a Câmara Municipal de Leiria reabriu em boa hora o Concurso Literário Afonso Lopes Vieira, bienal, dedicado no ano de 2019 à literatura para a infância.

O autor é alguém que eu já conhecia de ter laudatoriamente sintetizado a sua (já) destacada obra – publicada quase sempre em edição de autor… – de literatura infantil. Os meios de comunicação já o divulgaram e sábado passado na BMLALV (no dia em que o Poeta patrono da biblioteca faleceu: há 74 anos atrás, 25 janeiro de 1946) foi a modesta, simples e edificante cerimónia de entrega dos prémios: ao vencedor e aos dois interessantes textos que receberam (ex-aequo) uma menção honrosa.
Com uma intriga bem montada, o desenho desgruda-se da tela do pintor e vai à procura da sua identidade, ainda indefinida, em busca do seu criador ausente. As humanas e comezinhas tarefas das pausas e tagarelices deixaram o pintor fora de casa pelo tempo suficiente para a excursão do ‘desenho impaciente’. Tudo com uma linguagem clara, cuidada e bela.
Como todas as crianças sabem – e os pais e educadores de infância com elas descobriram… – há sempre um tempo durante o qual as coisas acontecem. Ora, como era Carnaval, o desenho entra pelas janelas (nem sempre declaradamente abertas e poucas vezes inclusivas… mesmo no Carnaval, nem tudo parece bem ou nem todos aceitam todas as máscaras…) dos vários grupos do cortejo carnavalesco: piratas (que o tomam por um papagaio e o escorraçam); Fungagá da Bicharada (que o tomam por um limpa-chaminés às cores; e o crocodilo que o manda embora só reconhece e gosta da normativa cor preta…); vacas leiteiras (que o tomam por uma vaca às cores, um arco-íris desengonçado, e o assustam com os badalos da exclusão). Só o rapazinho reconheceu e compreendeu tratar-se de ‘um desenho com pernas’, a lembrar o intertexto do chapéu que esconde o elefante do ‘Principezinho’ de Saint-Exupéry.
Entretanto o pintor é avistado pelo desenho no meio da multidão. Impaciente e rápido, consegue escapulir-se antes e voltar a grudar-se à tela. Já sem ‘bloqueio criativo’, o pintor estranha o seu traço, mas gera um ‘corvo galante, vestido de rei medieval’. Julgo que a minha surpresa de leitora em primeira mão e para um público atento, só terminará assim que e quando este texto premiado encontrar as ilustrações certas para que as mãos, os olhos e as mentes das crianças lhe possam chegar. Essa é a promessa da CMLeiria, feita pela sr.ª vereadora Anabela Graça, que nunca falhou à palavra dada.
Imaginem a capa do futuro livro, caros leitores crianças ou adultos, infantes crescidos da vida carnavalesca: “Por detrás dele, uma turba de guerreiros subia um íngreme penhasco, à conquista do castelo que se via em cima. Ao fundo, estendia-se um vale verdejante, onde se abraçavam dois rios enamorados. […]” (opus cit.). Não sei se é o pano de fundo do quadro ou a capa do livro, mas sei que tenho tanta pressa de o ver/ler impresso que até os caracteres estão certos nesta crónica…

Texto original disponível em: https://www.jornaldeleiria.pt/opiniao/literatura-or-carlos-alberto-silva-2020-o-desenho-impaciente-ou-o-livro-em-gestacao